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A TIRANIA DO MÉRITO. O que aconteceu com o bem comum? - SANDEL, Michael J.



Este livro reflete e questiona o mérito, mas além de questionar, situa a discussão historicamente. Eu tenho pensado muito sobre isso durante os últimos anos e as minhas dúvidas sobre o mérito não vieram de livros, vieram da minha percepção da realidade e, a seguir, narro como isso começou para mim. 

Primeiro, que sou uma pessoa que iniciou a adolescência dentro da luta pela democracia, cresci sabendo da importância de uma sociedade democrática, ao mesmo tempo em que o tema da igualdade era um tema amplamente debatido, igualdade entre as pessoas, meus amigos e amigas primeiro de Santa Maria e depois em Porto Alegre tinham vinculação com algum movimento pela democratização do país. Essa vivência me possibilitou que eu me tornasse uma adulta com a compreensão que se eu cheguei a algum lugar foi em decorrência das outras pessoas, ou seja, não cheguei sozinha, isso significa que sempre entendi que muitas outras pessoas me ajudaram e muito. 

Segundo, sempre percebi, sempre constatei na convivência com pessoas que não tinham e não têm o diploma universitário, às vezes não têm nem o ensino fundamental, que elas eram e são muito inteligentes e que se tivessem tido as mesmas oportunidades que eu tive, estariam no mesmo lugar ou em qualquer outro. Quando constatei isso, conclui que o meu mérito por estar formada e ter uma profissão reconhecida socialmente, não era mérito, era oportunidade, ou seja, eu tive oportunidades, que uma boa parte das pessoas as quais eu me refiro não tiveram. Ficou sistematizado na minha cabeça que mérito ou o discurso da meritocracia é falso. Ou seja, em um primeiro momento, concluí que não se discute mérito, quando as oportunidades são inexistentes para a maioria das pessoas.

Terceiro, estava com tal raciocínio formado, quando tive conhecimento, por meio das redes sociais, que teria uma palestra nas redes sociais do ex-banqueiro Eduardo Moreira, com o autor do livro A TIRANIA DO MÉRITO, na hora me inscrevi, isso aconteceu no mês maio/2022. Depois de assistir à palestra, comprei o livro, mas imediatamente e imediatamente comecei a lê-lo. O livro aprofunda a reflexão com a seguinte pergunta: E SE AS OPORTUNIDADES FOREM IGUAIS, MAS MUITOS E MUITAS NÃO CONSEGUIREM, SEJA POR QUAL FOR O MOTIVO, CHEGAR AO LUGAR CONSIDERADO DE VENCEDOR, VENCEDORA? Nesse ponto fui compreendendo melhor e sistematizando e aprofundando o meu pensamento. O autor utiliza conceitos do campo jurídico, da sociologia, da economia, da filosofia, ele é um filósofo, para explicar essa questão.

Ele mostra como os discursos e as práticas dos últimos 40 anos dos partidos políticos associados à esquerda e dos partidos associados à direita são parecidos para não dizer iguais, no que tange à política econômica e à igualdade de oportunidades. Por exemplo, é esse discurso da igualdade de oportunidades que fez dos EUA a terra das oportunidades, onde prepondera o discurso que basta querer para vencer, tanto que uma das frases mais conhecidas do ex-presidente Barack Obama era: NÓS PODEMOS! No entanto, conforme o autor, a globalização que se tornou hegemônica nesse período, criou uma massa de excluídos e excluídas, pessoas completamente fora dos conhecimentos tecnológicos e que o que sabem fazer é o trabalho físico, o qual deixou de ser valorizado e, diga-se, remunerado adequadamente, muito em razão das terceirizações. 

Os/as economistas que defenderam a transferência da mão-de-obra para países que pagam menos a hora trabalho, que defenderam as terceirizações, e a financeirização afirmavam que os lucros gerados por essas práticas seriam repartidos com aqueles e aquelas não beneficiadas pela globalização, todavia, não foi isso que aconteceu, e o capital acumulou em poucos. Isso gerou uma gama muito grande de pessoas excluídas dos benefícios da globalização financeira e essas pessoas, grande parte sem diploma universitário, ficaram sem nenhuma referência e o que seria pior, sem nenhum reconhecimento, já que consideradas fracassadas. Essa quantidade imensa de pessoas não está inclusa nos discursos da direita e nem da esquerda, pois ambas acreditam no mérito, no diploma universitário, o que faz com que as pessoas sejam divididas em burras e inteligentes, a arrogância meritocrática está muito bem exemplificada no discurso de Hillary Clinton quando derrotada e afirmou que ela havia ganho nos lugares dinâmicos e avançados dos EUA, enquanto Trump nos lugares mais atrasados. No entanto, ela não considerou que os lugares mais atrasados são aqueles dos/as esquecidos/as pela globalização financeira e que são pessoas sem nenhum tipo de reconhecimento.

O autor aprofunda a discussão e explica por que o neofascismo avança entre essas pessoas, relacionando a questão da meritocracia com a globalização hegemônica excludente e com a ausência de bens comuns nas sociedades globalizadas. Fica compreensível o porquê do avanço da extrema direita fascista em países como os EUA e o Brasil. Duas entre as três maiores democracias, considerando a Índia. Ao mesmo tempo, mostra como a política seja de esquerda ou de direita foi absorvida pelo mercado e se tornou um lugar de tecnocratas.

O livro tem muito mais, são 349 páginas, eu entendi e concordo com o posicionamento do autor, que a igualdade de oportunidades, por si só, não resolverá os problemas gerados pela globalização e a meritocracia é um deles, portanto, o livro mudou o meu pensar sobre a questão, ou seja, a igualdade de oportunidades não vai terminar com a meritocracia. É necessário, além disso, a igualdade de condições, de nada adianta o acesso universal à educação, como é o caso do Brasil, se as pessoas não têm acesso a outros bens, como moradia, água potável, luz elétrica, internet, praças públicas, entre outros, bens que todos e todas tenham acesso igual, independente de qualquer outro fator como sexo, raça, classe social, etc... . Fundamental, considerar que mesmo diante das mesmas oportunidades, as pessoas, por diversas razões, podem chegar a lugares diferentes e isso em uma sociedade tem de ser resolvido, se não quisermos que pessoas fascistas sejam eleitas.


Rita Gattiboni – blog evitacalar.com e INPPDH

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